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A PERICULOSIDADE JURÍDICA DA ATIVIDADE PÚBLICA POLICIAL

 

 

 

 

 

 

Por  DrMarcos S. Velloza

Advogado com intensa atuação na defesa de Servidores Públicos Policiais

Fundador e Controller Jurídico do Escritório MS Velloza Advocacia

Em uma sociedade estabelecida sob a égide de Estado Democrático de Direito nossas ações estão reguladas e limitadas pelo ordenamento jurídico pátrio, a começar pela Constituição Federal, com característica de constituição garantista e dirigente, que define de forma genérica direitos e deveres de cada cidadão que vive nesta sociedade, bem como por leis que regulamentam tais direitos e deveres previstos na Carta Magna.

Assim, considerado imputável o agente, sempre que seus atos colidem com obrigações pessoais e direitos alheios, este pode ser responsabilizado por tal ação.

O Código Penal Brasileiro em seu artigo 26 define:

Art. 26 – É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Segundo Sanches (2016):

[…] A imputabilidade é elemento sem o qual “entende-se que o sujeito carece de liberdade e de faculdade para comporta-se de outro modo, como o que não é capaz de culpabilidade, sendo, portanto, inculpável” (SANCHES, 2016, p. 287).

Conforme ensina o jurista Celso Ribeiro Bastos, podemos definir que “responsabilidade é a sanção imposta pelo direito ao autor de um ato lesivo à ordem jurídica” (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor. 2002. P. 549).

Assim, podemos conceituar a imputação como a possibilidade e obrigação jurídica de atribuir a um autor a responsabilidade pela prática de uma conduta omissiva ou comissiva tipificada em lei como ilícito penal e civil.

 

A RESPONSABILIDADE DO SERVIDOR PÚBLICO.

 

O servidor público pode ser responsabilizado administrativamente por atos praticados no exercício de sua função pública em decorrência da violação aos deveres e proibições inseridos nos estatutos reguladores de sua atividade.

Odete Medauar doutrina que “se a conduta inadequada afeta a ordem interna dos serviços e vem caracterizada somente como infração ou ilícito administrativo, cogita-se, então, da responsabilidade administrativa, que poderá levar o agente a sofrer sanção administrativa. Essa responsabilidade é apurada no âmbito da Administração, mediante processo administrativo e a possível sanção é aplicada também nessa esfera” (MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 15ª edição, revista, atualizada e ampliada, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2011. P. 319).

Além da conduta do agente público repercutir na esfera administrativa (infração administrativa), pode também gerar consequências na esfera criminal (ato típico, anti-jurídico e culpável), bem como na esfera cível (ação de regresso e responsabilidade civil na reparação de danos).

Portanto, poderá ser processado e responsabilizado nas três esferas, vindo a sofrer sanções administrativas, criminais e cíveis.

Cada função pública vincula o agente à prática de atividades que o obrigam a atuar de uma forma ou o proíbem de fazê-lo, sempre regulado pela previsão legal de sua conduta.

O princípio constitucional da legalidade exerce força de forma antagônica ao cidadão e para a administração pública e seus agentes, pois para ao primeiro, em tese, tudo aquilo que não é proibido por lei, é permitido, mas para o segundo TUDO O QUE A LEI NÃO PERMITE É PROIBIDO.

 

DO CARÁTER ESPECIAL DA ATIVIDADE PÚBLICA

 

Algumas funções públicas expõe o agente à atuação em locais que afetem direta ou indiretamente sua saúde, consideradas assim, atividades INSALUBRES.

Outras, expõe os agentes públicos ao exercício de atividades que colocam em risco sua vida e sua integridade, bem como a de terceiros, estas classificadas como atividades PERIGOSAS.

Nos dois casos nosso ordenamento jurídico define que suas atividades são consideradas ESPECIAIS e passam, em tese, a receber tratamento diferenciado das atividades ordinárias (comuns).

Tal entendimento firma-se inicialmente no princípio fundamental da igualdade o qual pressupõe que as pessoas colocadas em situações diferentes sejam tratadas de forma desigual, conforme o sábio entendimento do Jurista Nery Júnior:

Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades” (NERY JÚNIOR, 1999, p. 42).

Reconhecemos a aplicação deste importantíssimo princípio por toda Constituição Federal de 1988, como exemplo em seu art. 139, alterado pela Emenda Constitucional nº 19/98, o qual estabelece que a fixação dos padrões de vencimentos e demais componentes do sistema remuneratório devem observar “a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos e componentes de cada carreira” (art. 139, § 1º, I), bem como “as peculiaridades de cada cargo” (art. 139, § 1º, III).

 

A ATIVIDADE PÚBLICA POLICIAL

 

Observado o quanto exposto, podemos considerar a função policial como a atividade mais perigosa exercida na Administração Pública, pois “obriga” diariamente seus agentes a cumprirem seu múnus público com a doação da própria vida se necessário, “na luta contra a criminalidade e em prol da justiça”, em defesa da sociedade e dos cidadãos, conforme juramento que faz quando de sua posse no cargo de Policial Civil:

 

“Juro, na condição de policial civil, respeitar e aplicar a lei, na luta contra a criminalidade em prol da Justiça, arriscando a própria vida, se necessário for, na defesa da sociedade e dos cidadãos”.

 

Portanto, por força de lei, o servidor público policial está exposto diuturnamente a situações que colocam sua vida e a de terceiros em real risco de morte, bem como envolvem a administração e respeito a direitos e ao patrimônio público e de terceiros.

Nesta ótica podemos atribuir também caráter especial da função policial no que tange ao risco a demandas administrativas e judiciais decorrentes dos riscos a que está exposto.

Basta uma análise dos dados estatísticos da Ouvidoria das Polícias do Estado de São Paulo, referentes a DENÚNCIAS ANÔNIMAS no período de 1995 a 2016 para se constatar o altíssimo risco que o servidor policial tem de sofrer um processo administrativo ou judicial e ser responsabilizado (punido).

Ainda, quanto mais sua atividade for de natureza operacional maior os risco do agente sofrer uma demanda judicial.

No citado período foram efetuadas 45.575 denúncias anônimas para a Ouvidoria das Polícias e após apuração preliminar foram  instaurados 10.835 processos (23,78%) envolvendo 14.764 policiais, nos quais foram efetivamente punidos 6.544 agentes, isto é 44,33% dos investigados em apurações preliminares e Inquéritos policiais.

Fonte: http://www.ouvidoria-policia.sp.gov.br/relatorios/pages/indice2016.htm

TABELA DE POLICIAIS CIVIS E MILITARES PUNIDOS A PARTIR DE DENÚNCIA DA OUVIDORIA DA POLÍCIA (Período de 1998 – 2016)

  

Policiais Militares Denunciados e Punidos a Partir de Denúncias na Ouvidoria da Polícia Resumo 1998 – 2016
Cargos Denunciados na Ouvidoria Procedimentos Instaurados Policiais Investigados Policiais Punidos
Oficiais Superiores
Coronel 1106 33 34 4
Tenente Coronel 497 95 101 10
Major 1285 157 167 16
Sub totais 2888 285 302 30
Oficiais Intermediários
Capitão 3456 578 603 55
Tenente 3623 726 799 283
Aspirante 73 40 40 23
Sub totais 7152 1344 1442 361
Praças
Sub Tenente 288 73 75 16
Sargento 5.529 1.556 1.756 765
Cabo 3.445 1.240 1.399 638
Soldado 10.833 4.260 7.080 3.704
Sub totais 20.095 7.129 10.310 5.123
TOTAIS 30.135 8.758 12.054 5.514

 

Policiais Civis Denunciados e Punidos a Partir de Denúncias na Ouvidoria da Polícia Resumo 1998 – 2016
Cargos Denunciados na Ouvidoria Procedimentos Instaurados Policiais Investigados Policiais Punidos
Delegado 6.998 518 613 148
Médico Legista 23 8 8 1
Investigador 4.936 807 1.165 527
Carcereiro 740 249 364 154
Escrivão 2.235 210 225 63
Agente Policial 319 232 270 115
Agente de Telecomunicações 64 8 11 4
Chefe de Cartório 6 0 0 0
Dactilocopista 4 0 0 0
Fotógrafo Técnico Policial 13 2 3 1
Papiloscopista 34 16 17 7
Perito Criminal 68 27 35 10
TOTAL 15.440 2.077 2.711 1.030

 

Outro dado a ser considerado indica um agravamento do risco de demandas judiciais, certamente por conta do grave aumento dos índices criminais no Estado e no país, pois, somente na Capital do Estado de São Paulo, no ano de 2016, mais de 960 policiais foram efetivamente denunciados em supostas prática de crime contra a pessoa, alegados abusos de autoridade, constrangimento ilegal, homicídio, lesões corporais, ameaça, etc.

Poderão (e serão) ser processados administrativa, criminal e civilmente, condenados e punidos, caso sua defesa não atue com técnica apurada, conhecimento da atividade e dedicação.

 

QUADRO DEMONSTRATIVO DAS DENÚNCIAS DE CRIME CONTRA À PESSOA  COM NÚMERO DE VÍTIMAS E POLICIAIS ENVOLVIDOS

 

Departamento de Polícia Judiciária da Capital – DECAP Comando de Policiamento da Capital – CPC

Crimes Contra a Pessoa – 2016

NATUREZAS Denúncias % (*) Vítimas % (*) Policiais Denunciados % (*)
ABUSO (constrangimento ilegal) 187 27,06 196 22,66 226 23,52
HOMICÍDIO 167 24,17 190 21,97 345 35,90
ABUSO DE AUTORIDADE (agressão) 115 16,64 175 20,23 138 14,36
AMEAÇA 64 9,26 65 7,51 80 8,32
ABUSO DE AUTORIDADE (outros) 33 4,78 33 3,82 38 3,95
HOMICÍDIO (autoria desconhecida) 32 4,63 48 5,55
ABUSO (prisão) 27 3,91 69 7,98 37 3,85
ABORDAGEM COM EXCESSO 25 3,62 28 3,24 30 3,12
ABUSO (invasão de domicílio) 21 3,04 27 3,12 33 3,43
LESÃO CORPORAL 9 1,30 19 2,20 11 1,14
DISCRIMINAÇÃO 5 0,72 5 0,58 5 0,52
TENTATIVA DE HOMICÍDIO 5 0,72 9 1,04 17 1,77
TORTURA 1 0,14 1 0,12 1 0,10
TOTAL 691 100,00 865 100,00 961 100,00
(*) Percentuais referentes ao número respectivamente de denúncia, vítima e policiais envolvidos.

 

Ainda, segundo dados estatísticos da Ouvidoria das Polícias, somente na Capital do Estado, no ano de 2016, mais de 3.200 denúncias foram apresentadas contra policiais, versando dentre outros assuntos infrações administrativas, os quais poderão resultar em punições na esfera administrativa (de advertência à demissão a bem do serviço público).

 

TABELA DEMONSTRATIVA QUE ENCERRA OUTROS ATENDIMENTOS CLASSIFICADOS COM NATUREZAS DIVERSAS

 

Departamento de Polícia Judiciária da Capital – DECAP Comando de Policiamento da Capital – CPC

Outros Atendimentos – 2016

NATUREZAS Denúncias %
SOLICITAÇÃO DE POLICIAMENTO 1168 35,47
MÁ QUALIDADE NO ATENDIMENTO 800 24,29
SOLIC. DE INTERV. EM PONTO DE DROGAS 518 15,73
INFRAÇÃO DISCIPLINAR 280 8,50
COMUNICAÇÃO DE CRIME 170 5,16
RECLAMAÇÃO CONTRA SUPERIOR HIERÁRQUICO 156 4,74
MOROSIDADE NO ANDAMENTO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA 99 3,01
NEGLIGENCIA 36 1,09
FALTA DE RECURSOS MATERIAIS 25 0,76
PRIVILÉGIO (benefício indevido em escala) 12 0,36
FALTA DE RECURSOS HUMANOS 11 0,33
FAVORECIMENTO INDEVIDO DE POLICIAMENTO PREVENTIVO 9 0,27
ASSÉDIO MORAL 8 0,24
FALSIDADE IDEOLÓGICA 1 0,03
TOTAL 3293 100,00

 

 

Pode ainda o servidor policial responder administrativa e criminalmente em decorrência de requisições encaminhadas pelo Poder Judiciário, MP – Ministério Publico, OAB – Ordem dos Advogados do Brasil e outras Instituições, bem como de informações prestadas pelos próprios servidores públicos da área da Segurança e outras secretarias de qualquer ente federativo (Municipal, Estadual ou Federal).

Em qualquer situação, havendo a necessidade de melhor apuração para confirmação da prática delituosa e/ou da infração administrativa, bem como da individualização da autoria e materialidade delitiva, por previsão legal deve ser instaurado neste momento a APURAÇÃO PRELIMINAR na esfera administrativa e o INQUÉRITO POLICIAL na esfera criminal.

Mas, em que pese o caráter especial da função, o servidor policial civil paulista não dispõe de fato da assistência jurídica, prevista no art. 53 da Lei 207/79 – Lei Orgânica da Policial Civil de São Paulo.

Em 4.7.2018 foi publicada a Lei Estadual nº 16.786/18, que prevê assistência judiciária gratuita aos policiais civis, militares e profissionais da superintendência da polícia técnico-científica que, no exercício de suas funções ou em razão delas, se envolvam ou sejam implicados em casos que demandem tutela jurídica, seja judicial ou extrajudicial.

Mas, esta lei de fato não produziu seus efeitos até o presente momento. Pelo contrário, é objeto de estudos para ajuizamento de ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade, por iniciativa da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, que entende que tal defesa promovida pela Defensoria Pública do Estado é inconstitucional, por ser órgão com finalidade especifica definida pela Constituição, que não pode ser alterada por lei infraconstitucional.

Assim, figurando o servidor público policial no polo passivo como interessado numa apuração preliminar e investigado num Inquérito policial, deve esforçar-se para que seja promovida sua defesa técnica, por ser o momento “processual” mais importante para tal atuação, pois toda e qualquer prova a ser utilizada em futuro (e provável) processo administrativo e criminal será produzida neste momento inquisitivo.

Nosso entendimento se ampara no fato de que apesar do ordenamento jurídico não prever o contraditório neste momento, a CF/88 estabelece como direito fundamental a qualquer cidadão o pleno exercício DA AMPLA DEFESA, fato levado em conta em todos os procedimentos e processos contra servidores policiais que atuamos.

Entendemos que a atuação do Advogado torna-se essencial já na fase da apuração preliminar administrativa e do inquérito policial, como fiscal da legalidade, auditor do procedimento e pleno produtor de provas, para garantir que a “verdade formalizada” seja de fato a verdade real do fato apurado, possibilitando assim a melhor defesa ao investigado.

Na impossibilidade de constituir defensor técnico na fase pré-processual (apuração Preliminar e Inquérito Policial) não terá efetiva defesa e simplesmente estará à mercê do resultado de tal procedimento.

Havendo confirmação do fato alegado e indícios (mínimos) da autoria, o procedimento administrativo se converterá em processo administrativo (sindicância administrativa ou processo administrativo) e havendo indício de ilícito penal, em processo criminal.

Somente neste momento, estando o servidor policial impossibilitado de constituir defensor, a este será oferecido pelo Estado defensor dativo (“ad hoc”), estando o ilustre defensor em nítida desvantagem técnica, pois assumirá difícil e importante missão em momento onde “provas” e convicções já foram constituídas.

 

Diante de todo o exposto, verifica-se de extrema prudência e importância que o servidor policial, proativamente, prepare-se para a necessidade de promover sua defesa, no exercício de suas funções policiais, da mesma forma como, prevendo a (grande possibilidade de) ocorrência de lesão à sua integridade física, emocional e psicológica, busca segurança com a contratação de um bom “plano de saúde”.

 

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